quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Regionalismo


















Eu acredito cada vez mais e, ao mesmo tempo, menos no regionalismo. Pode parecer estranho, para nossa cabeça ocidental bipolarizada, acreditar simultaneamente em dois extremos. Felizmente, os malucos de plantão podem encontrar abrigo no pensamento Zen, que estimula esse tipo de questionamento abstrato. Apesar de o assunto ser introduzido com conceitos tão cabeludos, vou fazer uma explicação simplificada que até os mais racionais poderão acompanhar. Para isso, devo falar melhor da idéia de regionalismo.

Regionalismo, nada mais é que uma busca ou identificação com algum elemento comum em determinado espaço geográfico. O gaúcho com o chimarrão é um exemplo. A figura do homem grosso, barbudo, tomando chimarrão de bombacha é um clássico do regionalismo. Junto com expressões populares, gestual e indumentária características, formamos uma imagem de um ícone de determinado lugar. Sempre que procuramos alguma identificação, num ato de saudosismo de nossas raízes, nos apegamos a esses clichês que definem nosso estado ou nacionalidade.

Tendo introduzido a idéia de regionalismo cabe a mim falar sobre o zen desse conceito. Assim, vamos discorrer um pouco sobre os motivos que me fazem acreditar cada vez mais nessa idéia. Quando viajamos, é fácil encantar-se pelos diferentes aspectos que formam uma determinada cultura. Quanto mais distante e exótica melhor. Essas características são profundamente enraizadas em nosso ego. Passamos a incorporar e definir nossa identidade em função desses clichês. É normal encontrarmos baianos mais baianos em São Paulo que em Salvador. Parece que quanto mais nos afastamos de nossas origens, maior é a necessidade de procurar aspectos que nos mantenham próximos de nossa terra.

Tenho alguns amigos que passaram por esse processo de redescobrimento cultural, depois que saíram de sua terra natal. O Alemão Fabrício, por exemplo. Ele fez uma viagem muito bacana com a Tuca, sua namorada, por todo o Conesul (região sul da nossa América). O objetivo era óbvio, resgatar sua origem que começava a se confundir com a de outros estados e apresentar sua herança cultural a amada companheira. Isso prova como o regionalismo acaba sendo um aspecto importante na formação de nosso ego e personalidade. O problema é quando ficamos tão afeiçoados e presos a essas características que acabamos por rejeitar outras culturas. Agarramo-nos a determinados conceitos que muitas vezes estão equivocados. Isso, na opinião desse mero maluco que vos escreve, tem outro nome: xenofobia.

Como gaúcho crítico que me tornei, acabo sendo um dos maiores cutucadores de ferida do meu estado. Acho que o gaúcho se tornou um povo xenofóbico. Temerário do novo, acabamos por rejeitar cultura que venha com a intenção de renovar ou refrescar nossas cabeças fechadas e orgulhosas. Tudo que vem do Rio Grande do Sul é melhor. Somos fortes e não precisamos de mais ninguém. Negamos nossa brasilidade em função de um regionalismo fervoroso. A balança começa a se inclinar para o outro lado. Parece que os gaúchos não enxergam que o Estado está cada vez mais pobre. Continuamos baseando nossa economia nos mesmos commodities de 100 anos atrás. Negar o novo não é honrar os heróis farroupilhas, é justamente abandonar os valores que sempre fizeram de nosso estado um exemplo de força e criatividade.

É aqui que começa o outro lado da moeda. Eu só consigo entender esse aspecto nefasto do regionalismo pois abandonei parte dele. Eu estou aberto a novidades e culturas. No nosso mundo globalizado é complicado identificar-se apenas com uma região. Depois de morar 5 anos em São Paulo acabei ficando em um limbo. Os gaúchos não me reconhecem mais como um irmão e os paulistas ainda me enxergam como sulista. Aí é que vem a questão de minha descrença no regionalismo. Acho que ele existe mas, felizmente, não fica restrito a apenas um lugar. O negocio é absorver o melhor de cada estado e formar sua própria personalidade, identificada mais com os seus conceitos morais do que propriamente com um espaço geográfico.

Cada lugar onde moramos ou vivemos, deixa marcas profundas. Acabamos incorporando aspectos de vida de todas as regiões por onde vivemos. Vou falar sobre mim para exemplificar. Sou gaúcho mas não sou viado (até piadinha ridícula de paulista já sei fazer), tomo chimarrão e asso um churrasco como poucos. Apesar disso, começo quase todos os meus raciocínios com “então”. Outra coisa, peguei raiva de corinthiano, sentimento que era restrito ao Grêmio. Quando morei na Inglaterra comecei a apreciar uma boa Guinness irlandesa, escutar techno e ir em Raves. Dos meus amigos baianos herdei a expressão “da pourra”. Do tempo que morei no Rio carrego um pouco da malandragem e do gosto por praia. Agora aqui em Berlim comecei a tomar weissbier, comer wurst e em breve poderei trocar os artigos. Isso sem falar que minha religião é indiana, absorvida e difundida no Himalaia, Japão e China. Parece piada.

O grande lance disso tudo é estar aberto a experiência. Sou um pouco contra os caras que mudam de cidade e acabam colocando-se em uma bolha. Aqui na Alemanha é muito comum. Pela dificuldade da língua, 50% dos estrangeiros optam por não estudar o alemão e acabam por se relacionar apenas com amigos de mesma nacionalidade. Esses acabam perdendo uma das coisas mais legais de morar em outro lugar. O aprendizado cultural e a modificação dos costumes acaba por fortalecer as raízes das quais nos orgulhamos mais. Eu acho que sou mais gaúcho hoje, depois de 6 anos fora da terrinha, do que quando morava por aquelas bandas.

A maior prova dessa
gauchismo está nesse vídeo. Não consigo assistir sem chorar.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Eu acredito em karma

























Karma é um conceito muito antigo, presente em muitas religiões orientais. Para quem não sabe o que é vou fazer uma explicação rápida. A idéia é que toda ação tem uma reação. Atitudes negativas acumulam demérito que será cobrado no decorrer de uma vida (ou várias). Durante muito tempo, minha educação judaico-cristã não me deu acesso a esse ensinamento. Felizmente hoje, conheço e esforço-me ao máximo para acumular méritos através de atitudes positivas. Desde que comecei a observar a vida por esse ângulo, não parei empilhar certezas sobre sua existência. Ontem o karma deu-me mais uma lição e a roda da vida completou mais uma volta. No entanto, para falar sobre esse aprendizado, preciso voltar um pouco no tempo, para os anos de 2002 e 2005.

Ser colorado nem sempre foi uma opção pela alegria, na verdade era sinônimo de sofrimento. Passei uma década vendo meu rival empilhar títulos e o meu time com uma administração vexatória. Era mais fácil o Inter frequentar o inferno da segunda divisão do que ganhar algo importante. Após uma nova ameaça de rebaixamento em 2002, novamente livrando-se da queda apenas na última partida (desta vez fora de casa, contra o Paysandu, em Belém), o Internacional recuperou a hegemonia do futebol gaúcho, com a conquista de quatro estaduais consecutivos (2002, 2003, 2004 e 2005). Em 2005 o Inter formou uma grande equipe, liderados por Muricy Ramalho e Fernandão os anos negros pareciam ter ficado no passado. Apesar dos excelentes times do Corinthians (Tevez, Masquerano e Nilmar) e São Paulo (Campeão da América e do Mundo) o colorado liderava o Brasileirão e começava a abrir larga vantagem, em relação aos outros postulantes ao título. Infelizmente, essa expectativa não se confirmou.

Toda a torcida e dirigentes do Corinthians, além de jornalistas e radialistas, sabiam que o Timão havia se tornado uma enorme lavanderia. Incrivelmente, uma chuva de dólares sujos caíam, como por milagre, no Parque São Jorge. Craques, com salários acima da realidade do futebol brasileiro, desfilavam com a camisa do time mais popular de São Paulo. A arrogância e o vale-tudo começaram a ser a marca registrada do Corinthians. A torcida e os dirigentes não viam problemas em tudo isso, claro, o importante era levantar a taça. Ninguém jamais cogitou a possibilidade do karma. Não imaginavam que, ações como essas, apenas sujavam o time e ligavam a marca, de um dos clubes mais importantes do mundo, a máfia Russa. Acho que apenas isso já seria o suficiente para o karma do Corinthians crescer negativamente. Para minha surpresa, foi apenas o começo de um longo caminho do céu ao inferno. Nesse exato ponto da história, o destino colocou colorados e corinthianos em lados opostos. Os acontecimentos que irei narrar agora mudaram a trajetória recente dos dois clubes. E o karma de ambos também.

Depois de anos de sofrimento os colorados ainda tinham muito o que chorar. Ninguém acreditou quando viram o título do Campeonato Brasileiro ser tirado do Internacional através de uma manobra extrajudicial, na qual o Corinthians foi o maior beneficiado. Dentro de campo, “o time do povo do Rio Grande do Sul” fez mais pontos que seu adversário. Porém, um suposto escândalo envolvendo manipulação de resultados abriu uma brecha para que o Corinthians disputasse novamente duas partidas das quais havia perdido. Não bastasse isso, no confronto direto entre as duas equipes do dia 20 de novembro, no Estádio do Pacaembu, o árbitro Márcio Rezende de Freitas anulou um pênalti sofrido por Tinga e, não satisfeito, expulsou o jogador colorado, que era um dos melhores da partida. Como resultado final, o clube paulista acabou ficando com o título, com apenas três pontos de vantagem sobre o Internacional, vice-campeão. Nessa época eu morava em São Paulo e acompanhei o constrangimento com que os paulistas comemoravam o titulo. O festa foi comedida. Não pareceu uma festa pela conquista de um Brasileirão. Mesmo assim, os torcedores, em sua maioria, seguiam apoiando a política de golpes baixos da diretoria do Timão. Aos colorados só restava lamber as feridas.

A compensação colorada viria no histórico ano de 2006. Treinado por Abel Braga, o time colorado sagrou-se campeão da Copa Libertadores, no dia 16 de agosto de 2006. Mais de 57 mil torcedores lotaram o Beira-Rio para assistirem ao emocionante empate em 2 a 2 contra o São Paulo (campeão mundial em 2005), colocando assim o clube colorado na galeria dos campeões da Libertadores. O dia 17 de dezembro ficará marcado na memória de todos os colorados como aquele em que o Inter viveu a maior glória de sua quase centenária existência. Alem dessa incrível façanha na América, os colorados ainda comemoraram o titulo de campeão mundial em Yokohama. Derrotando para isso o poderoso Barcelona, liderado pelo ex-gremista Ronaldinho Gaúcho (eleito duas vezes melhor jogador do mundo). Parecia até final de filme de Hollywood. O que mais o destino poderia reservar para o colorado? Para o Internacional a história parecia chegar ao fim mas ainda existia um time a enfrentar seu karma.

No dia 2 de dezembro de 2007 o Corinthians encarou seu destino de frente. Depois de denúncias no ministério público, provas cabais de uma diretoria envolvida em negócios sujos, o pior ainda estava por vir. Nessa data o Timão decidia sua vida, na primeira divisão, jogando contra o Grêmio, no estádio Olímpico. Ironicamente dessa vez, torcia também por uma vitória do Internacional frente o Goiás, no estádio Serra Dourada.

O Inter começou ganhando e o Corinthians perdendo, com um gol de Jonas no primeiro minuto de jogo. Esses dois resultados deixavam os paulistas na elite, apesar da derrota. No exato momento em que o Goiás empatou o jogo o Corinthians marcou seu gol, no Olímpico. Assim acabou a primeira etapa.

Os corinthianos torciam mais pelo Inter que para o próprio time. Pareciam acreditar mais nas qualidade do colorado que nas forças de seu jovem elenco. Foi aí que um pênalti foi marcado favorável ao Goiás. Para desespero da Fiel, o juiz mandou voltar a cobrança defendida duas vezes pelo goleiro Clemer. Na terceira tentativa, depois da desistência e incompetência de Paulo Baier, Élson fecha a tampa do caixão corinthiano. O time do Parque São Jorge irá amargar um longo ano na segunda divisão.

Após o jogo torcedores, jogadores e dirigentes do Corinthians acusaram os colorados de amolecer o jogo contra o Goiás. Acusação absolutamente incoerentes. É improvável que o Internacional entregasse o jogo no Serra Dourada. Mesmo tendo um time superior ao dos esmeraldinos, é histórica a dificuldade vermelha em Goiânia. Além do mais seria incompatível, para um clube que sofreu tanto nas mãos da injustiça, se aliar a mesma escola podre, que tanto o condenou no passado. Espero do fundo do coração que isso não tenha acontecido. Porque se for verdade, a bola pune. E o Karma também.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Dualidade















Tem manhãs que acordo triste. Mais um dia em uma terra desconhecida. Olho pela janela e as gotas de água se acumulam congeladas no vidro. Através delas, distingue-se a silhueta da antena da TV. Estou sozinho e triste, com medo do clima e da vida. Abro a porta do prédio e o frio cortante atravessa meu corpo como partículas de urânio enriquecido. Caminhando pelas ruas úmidas de Berlim, vejo crianças. Elas andam animadas e conversam em seu dialeto intelinigível. Uma delas me olha nos olhos e pronuncia palavras que não consigo entender. Fico deprimido. Não me sinto capaz de um dia me comunicar em alemão. Me lembro que talvez seja esse o motivo de ainda não ter amigos de língua nativa. Quem vai perder tempo com mais um imigrante solitário e perdido? Preciso de tanto e tenho tão pouco. Deus não parece justo comigo.

Tem manhãs que acordo feliz. Mais um dia em uma terra a ser explorada. Olho pela janela e as gotas de água se acumulam congeladas no vidro. Através delas, distingue-se a silhueta da antena da TV. Fico contente por acordar com uma vista tão especial. Abro a porta do prédio e o frio me desperta para o momento mágico de viver o inverno europeu. Caminhando pelas ruas úmidas de Berlim vejo crianças. Elas andam animadas e conversam em seu dialeto curioso. Uma delas me olha nos olhos e pronuncia palavras que um dia entenderei. Fico ainda mais feliz. Que oportunidade maravilhosa de aprender uma lingual tão difícil. Assim que conseguir me comunicar, poderei fazer ainda mais amigos. Até lá vou aproveitar o tempo de solidão para me conhecer melhor e estudar arte. Tem dias que é melhor ficar sozinho para se concentrar no que interessa. Tenho tudo que preciso. Não tenho o direito de reclamar de Deus.

O truque dos dois textos é velho, mas isso não é propaganda.

sábado, 17 de novembro de 2007

Qualidades Mentais: Uma Cagada de Regra.

Maquiavel foi um grande cagador de regras. Talvez o maior cagador de regras da nossa história. Dizem que ele é o fundador da ciência política moderna. Isso sem nunca ter comandado um Estado. Em resumo, ele escreveu sua maior obra sem nunca exercer a profissão. Bom, não é exatamente sobre isso que eu gostaria de falar.

Não gosto muito de teoria, sou mais prático, mas concordo com dois de seu conceitos: o de virtù e fortuna. Atalhando o raciocínio, virtù são as qualidades necessárias para um governante e fortuna é sorte. O cara só se dava bem se tivesse as duas coisas. Eu acho simples e inteligente. Quase indiscutível.

Nas próximas linhas vou ser um pouco Maquiavel e tirar algumas conclusões metafísicas. Nada como falar de teorias que não podem ser comprovadas por um experimento científico, para cagar uma boa regra.

Sobre sorte não tenho o que falar. É algo muito subjetivo. Sendo assim, eu me interesso pelas qualidades (pelo conceito de virtù), principalmente as mentais. Nos últimos dias, pensando sobre o assunto, cheguei a uma conclusão. Na minha opinião, existem quatro qualidades mentais das quais derivam todas as outras, são elas: a inteligência, o conhecimento, a disciplina e a sabedoria.

A inteligência é meio como a sorte e poderia ser classificada como fortuna. É algo imutável: o cara nasce com ela. Ainda não existe como mudar o DNA e fazer com que uma pessoa aprenda mais rápido, tenha uma memória maior ou entenda as coisas de primeira. Isso são heranças biológicas. Um dia, quem sabe, isso deixará de ser uma loteria. Infelizmente para mim, acho que até lá já terei batido as botas.

O conhecimento é fruto do estudo, da teoria e da prática. É o nosso HD interno. Todas as informações que acumulamos são guardadas e combinadas através do conhecimento. Claro que, um cara inteligente, costuma ter esse atributo muito acima da média. Não quer dizer que isso seja uma regra. Uma pessoa inteligente e preguiçosa não se compara a um mediano esforçado. Outra coisa, o conhecimento é influenciado pelo tempo. Ele cresce e se desenvolve na medida que dedicamos esforço ao assunto. Esse é o atributo principal dos acadêmicos e cagadores de regra. É impossível defender uma opinião sem ter um bom exemplo ou analogia para cruzar com o problema proposto.

A disciplina é exercício puro. Você treina e aprende a controlar a sua mente. Certamente, disciplinando pensamentos e controlando sentimentos, fica mais fácil dominar as ações do corpo. É como a analogia da carruagem e dos cavalos, de Gurdjieff. Os cavalos são os sentimentos e pensamentos, a carruagem é o corpo. O condutor precisa saber levar os cavalos para controlar melhor o carruagem. A disciplina é o que permite aos Sadhus suportarem a dor em seus votos sagrados. Quem de nós teria a capacidade de ficar 15 anos com um braço levantado ou 20 com uma faca atravessada em um membro? Nem o BOPE e nem SELVA.



A sabedoria é a qualidade mais importante, na minha opinião. Ela independe da inteligência e do conhecimento, é fruto da simples observação e entendimento dos fenômenos da vida. Um homem do campo, pode ter um conhecimento raso e uma sabedoria profunda. Num mosteiro, existem monges que só estudaram religião durante toda a vida. Mesmo assim, estes esconder uma sabedoria magnífica. Um outro ponto: ela é imensamente atrelada a interpretação correta das experiências do tempo. Costuma vir com a idade, com os erros e acertos da vida. Mesmo assim existem exceções onde velhos são mesquinhos ou cegos emocionais. Em todo caso, são raros os que não apresentam uma vasta sabedoria. Tudo porquê grandes perdas, traumas, dores, amores, beijos não podem ser aprendidos em livros. Estas experiências apenas podem ser vividas. Um ensinamento budista fala exatamente sobre isso. Nele, um monge exemplifica a dificuldade de explicar o nirvana com a seguinte pergunta:. ---Como demonstrar o sabor do mel para quem nunca provou?

Como todo bom cagador de regras, para fundamentar um pouco a minha teoria, vou falar de algumas alegorias antigas que ilustram meu pensamento.

O Evangelho Segundo São Mateus trata da vida de Jesus. No entanto, um livro não aceito em nossa Bíblia traz histórias do filho de Deus, antes dos 30 anos. Seu nome é A infância Segundo o Evangelho de Thomas. Nesses manuscritos Jesus é apresentado como uma criança normal, que inclusive usa os seus talentos de forma irresponsável. Na primeira parte do livro Jesus brinca na lama do rio Jordão fazendo pássaros (vivos é claro) da areia da margem. Com 5 anos, ele usava seus poderes para humilhar seus professores, derrubar seus amigos, mostrando um lado até mesmo cruel. No segundo ato Jesus tem 8, ele descobre sua responsabilidade e usa o seu poder para o bem. Entre os feitos dessa parte do livro está um milagre onde ele iguala as arestas de um móvel que seu pai cortou errado e, com uma semente, plantou comida para uma centena de pobres. Com 12, na terceira parte, ele já era o Jesus sábio do Novo Testamento.

É impressionante imaginar que, de tão popular, algumas histórias desse livro foram incorporadas ao Alcorão. Hoje esse texto quase não existe. Um testamento que ensinava a essência do despertar da sabedoria, em uma pessoa inteligente e culta. Aqui ainda vale um parêntese. É impossível falar desse testamento e não lembrar do clássico do Allan Sieber “Deus é Pai”.



Outro exemplo é quando o Dalai Lama falou que o Budismo cometeu erros no Tibete. O principal deles foi isolar-se do mundo, incluindo não participar da ONU. Esse pecado foi pago por um preço muito caro. O Tibete foi invadido pela China. Na minha opinião essa ilha de sabedoria ficou afastada do conhecimento do oriente. Não se modernizou em alguns aspectos importantes, principalmente na política e na medicina. Enquanto isso seu vizinho Butão continua com uma monarquia vitalícia. Não teve a infelicidade do Tibete graças as manobras de seu governante. Mesmo sendo o país mais fechado do mundo, ganha alto com o turismo e investe mandando seus médicos e professores para estudar no oriente.

Será que o rei Hussein, de 1998, comandaria as tropas jordanianas, favorável a união árabe, em um ataque a Israel? Ataque esse que lhe custou metade da cidade sagrada e as terras a oeste do rio Jordão. Isso sem falar em um atentado terrorista, (de seus irmãos árabes Palestinos) que quase tirou sua vida. Será que ele tomaria essa decisão, tendo aparentes cabelos brancos, mesmo sem saber que o resultado seria a derrota?



Como toda teoria bem formatada, esse conteúdo pode encontrar respaldo em outros exemplos. Eu acho que esses três que escrevi, explicam bem minhas idéias. Infelizmente, como a maioria das cagadas de regra, esse conteúdo revela-se pura especulação. Como já falei, não pode ser comprovado fora do ambiente do laboratório mental. São apenas palavras ao vento. Um pouco de inteligência burra para divertir o cérebro, até que outra teoria maravilhosa ocupe o espaço vago antes por Maquiavel.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Meteoro e Dinossauros

Qual sera o futuro da propaganda? Tem dias que me pergunto como será nossa profissão em alguns anos. Acho que esse pensamento é fruto do medo que tenho de ficar obsoleto. Não fazem muitos anos um meteoro caiu no Mercado de publicidade e varreu profissionais que não conseguiram se adaptar a um novo ambiente. O nome dessa catástrofe se chama computador.
















Não sei se o apocalipse está próximo. Na verdade, acho que as mudanças serão mais graduais que no passado. Assim, a saída para os dinossauros não é a extinção, mas a evolução para a forma de pássaros. Não sei se essa opinião é fruto de um desejo ou uma análise crítica de nosso mercado. O fato é que para que essas mutações ocorram em mim, procuro observar os novos caminhos que se colocam a frente. Desafios que talvez apontem para uma tendência na forma de se comunicar com as pessoas.

Não foi uma vez que escutei comentários, após festivais de propaganda, que tudo estava muito igual. Os amigos voltam dos julgamentos um pouco abatidos e frustrados por não encontrarem saída para a padronização dos layouts e soluções criativas. A maioria deles critica os atalhos e fórmulas que fazem parte da nossa cultura publicitária. Olham para esses raciocínios comuns e julgam encontrar o culpado para essa invariabilidade criativa. Acho que eles estão certos mas talvez existam outros caminhos para sair do labirinto.

Nos últimos anos especialistas apontaram seus telescópios para o céu e viram um novo meteoro chegando. Muitos diziam que o potencial de destruição desse asteróide era ainda maior que o computador. No fim das contas ele chegou caiu e não provocou mudanças imediatas. A internet chegou ao nosso mundinho e modificou pouco nosso processo criativo. Claro que alguma coisa ficou diferente mas a extinção em massa não aconteceu. Não sei se estamos mais preparados para essas mudanças ou se essa inovação tecnológica era suficientemente avassaladora para revolucionar nossa forma de anunciar. Na verdade, acho que os benefícios da internet foram tão grandes que ajudaram, inclusive, a impulsionar e renovar nossas mídias convencionais. Além de facilitar muito as pesquisas, tão fundamentais em nossa atividade de trabalho. Em todo caso aprendemos e assimilamos essa ferramenta de forma mais rápida que as gerações passadas fizeram com o computador. Nada como nascer em um mundo digital. Se esse asteróide não acabou com os novos dinossauros existiria algum outro tipo de catástrofe capaz de os exterminar? Sinceramente acho que não.

Como diria o capitão nascimento, vou retomar o raciocínio. Voltando aos festivais, onde poucas mudanças foram percebidas em press nos últimos 5 anos. O que foi apresentado de novo? Existe alguma tendência? Acho que sim. Uma delas é encarar qualquer forma de contato com o consumidor como uma mídia em potencial. Um chaveiro, um papel-higiênico, uma caixa de fósforo ou coco de cachorro com uma bandeirinha anti-bush podem ser meios de se comunicar com as pessoas. Aqui na TBWA os caras chamam isso de Media Arts.

Para provar que esse é um novo caminho, vou lembrar como o Leão de Mídia se tornou um prêmio valorizado. Me lembro que à 4 anos um amigo ganhou um e me disse: ----- É de mídia mas é legal. Porra, claro que é legal. Imagino que hoje ele não trataria o prêmio como inferior a um leão de press. Ou trataria? Aqui na Europa isso não acontece.

No velho mundo, essa é a tendência. Pelo menos é sobre isso que a maioria dos gurus da propaganda fala. Provavelmente essa informação não é novidade para você que está lendo esse blog. Certamente sua agência se vende como 360 graus, ou 180 ou 720. Todas essas denominações são comuns e já encheram o saco. Agora, sinceramente, você ainda acredita nesse discurso? Você realmente acha que o lugar onde trabalha cumpre com esse objetivo básico? Ou você acredita que isso é só um papo bonito para se vender melhor para o cliente? Quando estava no Brasil não achava as agências tão engajadas assim.

Como sou um moleque atrevido, vou discorrer sobre os motivos que me levam a achar que estamos perdendo essa corrida no Brasil. Vou levantar algumas possíveis razões mas não vou ser maluco o bastante para propor soluções. Sim, serei o típico engenheiro de obra pronta.

O primeiro deles é o comodismo. É muito mais fácil fazer TV e press (jornal ou revista). A mídia e os formatos já são padrão. Os resultados mais previsíveis e todos já sabem os atalhos. Não é necessário estudar muito, basta abrir um formato básico e pensar onde colocar o logo e o titulo. Tudo bem, não é assim tão fácil mas é um terreno mais conhecido e menos assustador para os mídias, produtores gráficos e criativos. Ainda mais com os nossos prazos mas esse já é outro problema.

Me lembro claramente de algumas frases que escutei de chefes no passado. Frases essas que me deixavam irritado e me faziam sentir inferiorizado. Vou falar sobre elas nesse parágrafo para introduzir o próximo assunto. A primeira é essa: “---- Faz esse folhetinho direito porquê nego já ganhou leão com isso.” O problema é que o mesmo cara dizia essa outra frase: “------ Folhetinho? Isso tu mata em meia hora.” O que eu deveria perguntar é se ele gostaria de ver o trampo morto ou o leão? Sim, tenho que assumir o fato que não sou bom o bastante para conseguir as duas coisas ao mesmo tempo.

Assim chegamos ao segundo motivo: o tempo. No Brasil não temos tempo para pensar sobre o trabalho. Para ficar no exemplo do folhetinho. Sabem quanto tempo eu tive para criar um encarte de produtos da adidas aqui na agência? Uma semana. Isso apenas para mostrar idéias, depois o estúdio de design trabalhou mais 10 dias no crafting antes de mostrar para o cliente. Claro que saíram idéias diferente e legais. Claro que ficou muito mais bacana do que o folhetinho que executei para o chefe cagador de regra. Aí é que eu me lembro de uma máxima que um amigo redator sempre me falava: “Todo prazo tem o trabalho que merece.”

O outro problema é a remuneração das agências. Nós não somos parceiros dos clientes, somos parceiros da Globo. Os nossos chefes não nos incentivam a criar mídias diferenciadas pois as agências nem sabem cobrar pelo serviço. É muito mais conveniente criar um filme e embolsar a porcentagem sobre a mídia e mais aquele bom e velho BV. Isso sem falar nos acordos que permeiam o mercado editorial. Tudo direciona nossas ações para o convencional.

Não vou me estender mais nesse assunto pois posso parecer exatamente o que eu condeno. Eu não sou um bom cagador de regra. Apesar de esse texto ser lindo para se falar em uma palestra na faculdade, não é bom o suficiente para apontar todos os problemas e muito menos soluções para esses. O objetivo dele é apenas provocar algum tipo de reflexão no leitor. Reflexão essa que eu não tive a capacidade de fazer antes de sair do mundinho.

Outra coisa é que não sou pitonisa, como diria o meu pai. Tudo que falei pode se provar uma tremenda idiotice no futuro. O Burti pode comprar uma máquina alemã que imprime anúncios animados e revolucionar o mercado editorial da noite para o dia (essa máquina não existe). Isso tudo que escrevi são apenas pensamentos desconexos e datados de um cara que sempre se preocupou com o futuro, não devem ser tratados de forma diferente. Existem os que concordam e os que discordam, no fim todos descobriremos a verdade em 10 anos.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Leste e Oeste

Nunca fui um bom aluno mas nem por isso deixava de cumprir meus objetivos acadêmicos. Passar no exame do Colégio Militar, ser aprovado em todos os anos do ensino fundamental e entrar na faculdade, foram minhas grandes conquistas estudantis. O problema é que nunca fui muito dedicado aos livros. Minha mãe e meu pai podem comprovar isso. Ou meus amigos da época de colégio, o Brito e o Viana. O complicado é que esses dois últimos não tem saco de ler esse blog. Na verdade poderia apostar que eles nunca leram uma só linha do que eu escrevi aqui. Vamos ver quanto tempo eles demoram para deixar uma mensagem contrariando essa afirmação.

Voltando ao colégio, como falei anteriormente, estudar não era o meu forte. O problema é que por essa falta de interesse perdi assuntos interessantíssimos de história, literatura ou geografia. Isso sem falar do português, onde minha ortografia continua sofrível. No fim do colegial, senti que existiam lacunas em meu conhecimento do mundo e precisei de muita curiosidade para preencher esses espaços vazios. Hoje acho que sou um cara mais culto. Ou menos burro, como preferirem.













Chegando aqui na Alemanha me deparei com uma dessas lacunas. Eu sabia muito pouco sobre a história Alemã. Principalmente os fatos que ocorreram após a segunda guerra e que culminaram na divisão da Alemanha em dois blocos de influências distintas. (Os assuntos que envolvem as duas grandes guerras já me são mais familiares. Claro que essa familiaridade não vem da escola).














Como hoje a história da Alemanha faz parte da minha vida cotidiana, comecei a me interessar por esse assunto. É incrível imaginar que à apenas 17 ou 18 anos essa cidade vivia duas realidades completamente diferentes. Ainda hoje essa separação é clara e visível nas ruas de Berlim. Para mim isso tudo é muito maluco. Quando eu assisti o Bial, no Jornal Nacional, apresentando a queda do muro jamais poderia imaginar que em poucos anos estaria caminhando naquelas mesmas ruas. A vida é surpreendente mesmo.













A história dessa separação é muito curiosa e dolorida. Ao contrário do que eu imaginava, o muro foi levantado em muito pouco tempo. Como que da noite para o dia a cidade estava dividida. E não era apenas um muro separando duas metades, ele circulava todo lado ocidental da cidade. Na prática, a pequena parte capitalista de Berlim, ficava como uma ilha em um oceano comunista. Antes de falar do muro, contudo, é importante salientar que essa divisão ocorreu muito antes, ainda na Segunda Guerra Mundial.










Berlim foi conquistada pelo Exército Vermelho em maio de 1945. De comum acordo, acertado pelo tratado de Yalta e confirmado pelo de Potsdam, entre 1944 e 1945, não importando quem colocasse a bota por primeiro na capital do III Reich, comprometia-se a dividi-la com os demais aliados. Desta maneira, apesar dos soviéticos tomarem antes a cidade, e também um expressivo território ao seu redor, tiveram que ceder o lado ocidental dela para os três outros membros da Grande Aliança, vitoriosa em 1945. Assim Berlim se viu administrada, a partir de 8 de maio de 1945, em quatro setores: o russo, majoritário, o americano, o inglês e o francês.
No dia 15 de agosto de 1961, Conrad Schumann foi destacado para controlar a linha divisória na rua Bernauer. Não teve dúvida, pulou sobre o arame farpado e escapou.

Com o azedar da relação entre os vencedores, em 1948 as quatro zonas reduziram-se a duas: a soviética e a ocidental. Em seguida, Stalin decidiu-se por um bloqueio total contra a cidade em represália ao Plano Marshall, que visava promover o reerguimento econômico da Europa destroçada pela guerra. Todas as estradas de rodagem e de ferro que ligavam Berlim com a Alemanha Ocidental foram então fechadas pelos soviéticos, na tentativa de fazer com que os aliados ocidentais desistissem da sua parte na cidade. Ou saíam ou os berlinenses morreriam de fome e frio.















Em 13 de Agosto de 1961, guardas da República Democrática Alemã (RDA) começaram a fechar com arame farpado e concreto a fronteira que separava as partes oriental e ocidental de Berlim, bem como Berlim Ocidental do território da Alemanha Oriental. Agravou-se assim a divisão da Alemanha no pós-guerra, dificultando a fuga de alemães-orientais para o Ocidente.

A RDA via-se com razão ameaçada em sua existência. Cerca de 2 mil fugas diárias tinham sido registradas até aquele 13 de Agosto de 1961, ou seja, 150 mil desde o começo do ano e mais de 2 milhões desde que fora criado o "Estado dos trabalhadores e dos camponeses". O partido SED puxou o freio de emergência levantando um muro de 155 quilômetros de extensão que interrompia estradas e linhas férreas e separava famílias.

Uma mulher tenta saltar da janela de uma casa do lado oriental para fugir para a parte ocidental de Berlim. Um policial tenta puxá-la de volta, enquanto berlinenses ocidentais procuram apoiá-la na fuga, que acaba obtendo êxito. Nas semanas seguintes, esta casa – como outras na linha fronteiriça – foi demolida, abrindo espaço para a construção do Muro.







Dois meses antes da construção do Muro, Walter Ulbricht, chefe de Estado e do partido, desmentira boatos de que o governo estaria planejando fechar a fronteira: "Não tenho conhecimento de um plano desses, já que os operários da construção estão ocupados levantando casas e toda a sua mão-de-obra é necessária para isso. Ninguém tenciona construir um muro". Bom, essa história nós sabemos como acaba.
Ninguém desejava uma muralha de pedra e concreto armado mais do que Walter Ulbricht (foto), o chefe de Estado da República Democrática Alemã (RDA).



Aqui vale a pena um comentário mais pessoal. É engraçado ver como o tempo passa e as coisas são parecidas. Acho que essa é a função da história: não permitir que os erros se repitam. O problema é que como eu a maioria dos brasileiros também não estudou muito no colégio. Me lembrei do Lula dizendo que não sabia de nada nos casos de corrupção do seu governo. É impressionante como os governantes tem a capacidade de não serem informados sobre os assuntos delicados.
No dia 17 de agosto de 1962, Peter Fechter, de 18 anos, foi assassinado ao tentar fugir para Berlim Ocidental atravessando o Muro.




Por mais de duas décadas, o Muro de Berlim foi o símbolo por excelência da Guerra Fria, da bipolarização do mundo e da divisão da Alemanha.

Ainda no início de 1989, Honecker, no poder desde 1971, manifestava confiança em sua estabilidade. "O muro ainda existirá em 50 ou em cem anos, enquanto não forem superados os motivos que levaram à sua construção."

Apenas dez meses depois, a 9 de novembro daquele ano, os habitantes de ambas as partes da cidade caíam incrédulos nos braços uns dos outros, festejando o fim da muralha que acabou sendo derrubada pouco a pouco e vendida aos pedaços como suvenir. Menos de um ano depois, o país dividido desde o fim da Segunda Guerra foi unificado, mas a verdadeira integração entre as duas partes é um processo que ainda não terminou.



Os paralelepípedos marcam o caminho do Muro





Diversas rotas guiam turistas e interessados pelo que sobrou do Muro, revelando ora seu caráter artístico como na East Side Gallery, ora triste e desolador como na Bernauer Strasse, ou ainda cru e assustador na Niederkirchnerstrasse. Vários trechos, às vezes consideravelmente longos, sobreviveram à explosão urbanística que tomou conta da capital alemã na fase posterior à queda do Muro e ainda são alvo de entidades que almejam transformá-lo em patrimônio histórico alemão ou até sugeri-lo à Unesco como patrimônio cultural da humanidade.


Mais caminhos do muro.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Dois assuntos e uma cidade.

Nos livros ela é Amsterdã, já os mais íntimos abreviam o nome para Adam. Uma cidade inigualável. Com seus 800 mil habitantes e uma média de 1,5 milhão de turistas anuais, suas ruas fervilham. Por onde quer que passeie a visão existe história, beleza e inteligência. Tudo sem perder o charme de um vilarejo. A reciclagem cultural é impulsionada por uma população estrangeira, ávida por coisas novas.



Vista para um dos canais









Semana passada, fiquei um sábado e domingo entre seus canais. Não poderia ser melhor. Na verdade, se a Lisi estivesse lá, seria perfeito. O clima da cidade sempre me impressiona. O que eu mais gosto é a liberalidade. Para muitos essa característica é uma desvantagem, para mim um complemento. Claro que existem problemas decorrentes desse posicionamento. No Red Light District (ou Walletjes), por exemplo, traficantes ocupam as ruas, iluminadas pelos neons vermelhos, oferecendo todos os tipos de drogas possíveis. Não que elas sejam legalizadas. Na realidade, em sua maioria elas não são. Existem algumas não industrializadas que foram toleradas na década de 70, entre elas está a maconha e os cogumelos alucinógenos. Essas são encontradas e vendidas em estabelecimentos específicos, as Smartshops e os Coffeeshops.






Coffeeshop






Minha abordagem no último parágrafo pode ter assustados os menos liberais. Mesmo assim posso garantir que não existe motivo para pânico. Tanto a Red Light District como os Coffeeshops são observados por câmeras. Nada passa da vista apurada da polícia holandesa. Liberdade sim, mas com controle do Estado. Talvez isso seja reflexo da Guilda de São Jorge, uma das corporações criadas para manter a ordem na cidade, por volta do ano 1533. Ou da Guarda Civil, fundada em 1580 pela união de três associações de atiradores. Poderia ainda propor qualquer outro motivo. Só escrevi esses dois primeiros para parecer inteligente.






When nature calls....











Red Light District







Um pouco mais de história me provoca a teorizar, novamente, sobre a cidade. Agora fico pensando na origem desse pensamento liberal.

No ano em que nosso país foi descoberto, Amsterdã já tinha 12.000 habitantes. Nessa época o comércio no mar Báltico trouxe riqueza e poder, fazendo dela a cidade mais importante da província da Holanda. Com a reforma protestante que varria a Europa, em 1578 Amsterdã se tornou a capital da nascente República Holandesa. Isso sem antes passar por uma guerra civil que durou 80 anos. No fim o vitorioso foi um governo protestante, feroz e intolerante, que expulsou os católicos da cidade. Esses protestantes Calvinistas tentaram, inclusive, abolir a prostituição que já era aceita desde 1478. Além de destruírem obras religiosas em Beeldenstorm, em 1566. Como vocês podem ver, eles já brigavam por liberdades individuais antes mesmo de sairmos do ovo como nação.




Jeitinho holandês. Casas são maiores no topo pois o imposto é cobrado pela parte de baixo.



Hoje em dia, baseados em uma política centrada no indivíduo, outras minorias encontram espaço para fazer valer suas opiniões e direitos. Apenas para listar algumas dessas iniciativas: o casamento homossexual (com direito a adoção), eutanásia e aborto.










A câmera ficou doidona






Mudando de assunto sem mudar de cidade.

Não sou ciclista, uso bicicleta como meio de transporte. Assim, meu negócio não são aquelas cheias de marchas, estilo esportista. A magrela precisa ser funcional, adaptada para o ambiente em que ela roda. A minha na Vila Olímpia era estilo grandona de praia, a diferença eram os pneus grossos e o banco hiper-acolchoado. Tudo para facilitar a vida em um dos bairros mais esburacados do Brasil (repito do BRASIL). Mesmo assim, era apaixonado pelo meus momentos pedalando nessas ruas horrorosas. Agora imaginem eu em Amsterdã que é bonita? É o paraíso. Todos só andam de bicicleta.





Fui para Holanda e lembrei de você.




Eu acho esse meio de transporte perfeito: não poluente, seguro, rápido e ainda o cara faz exercício. Tem algum melhor? Não entendo porque nenhuma cidade brasileira aproveita. Parece óbvio. Por que São Paulo não tem uma ciclovia descente (Aquela da Faria Lima é ridícula)? Dizem que o motivo é a cidade não ser plana. Eu acho uma meia verdade. Da Vila Olímpia, passando pelo Itaim e somando toda a faixa da Faria Lima, vemos um terreno bem nivelado.






A céu não é aplicado





Agora imaginem o seguinte cenário. O trânsito no interior dos bairros seria fechado e o acesso liberado apenas para carros de moradores, ciclistas, táxis, carga e pedestres. Para chegar a essas áreas existiriam estações de metrô, além das já conhecidas avenidas Faria Lima, Hélio, Juscelino e Marginal. Facilitando o deslocamento, bondes elétricos cruzariam o miolo do bairro. Tanto os bondes como o metrô deixariam que o passageiro entrasse com a bicicleta. O espaço para essas mudanças viria dos estacionamentos da área azul, obsoletos depois do esvaziamento de carros. De um lado passaria o bonde e do outro duas pistas de bicicletas. A via principal continuaria sendo apenas para carros. Acho que sobraria um espaço até para uma calçadinha. Um luxo se tratando de São Paulo.
Esse parágro tava horrível e só reparei agora. então dei uma arrumadinha.













Sou tão idealista que acredito que esse projeto é viável. Para quem trabalha na Vila Olímpia tenho um desafio: contar a quantidade de entregas que já são feitas em bicicletas. Esse teste pode ser feito em qualquer horário de almoço. É comum encontrar entregadores de padarias, restaurantes e pizzarias desviando dos carros. Existem até policiais que monitoram o bairro em suas magrelas militares. Isso apesar de todos os problemas. Imagina com espaço?

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Acordar em Berlim

Estou andando na Oscar Freire com a Lisi. Tudo da maneira como sempre foi. As lojas de marcas caras e os cafés trazem vida para o bairro. Pessoas de todos os tipos passam por mim. Nenhum deles sabe que eu controlo todos os passos daquele universo. São anônimos em sua ignorância. Caminho de mãos dadas com minha amada e tudo é perfeito.


De repente acordo em meu quarto em Berlim. Olho pela janela e vejo a antena da TV. Eu estava sonhando.

Havia me esquecido dessa sensação. As mudanças na nossa vida nunca são aceitas imediatamente pela rotina. A cabeça ainda funciona muito próxima das raízes. Principalmente as mais recentes, no meu caso São Paulo. Já passei por isso inúmeras vezes e não deixo de gostar do sentimento. A cabeça transita em dois (ou mais) universos distintos e familiares. Você deixa de ter apenas uma nacionalidade ou regionalidade. Agora será de muitos lugares e todos eles influenciarão na sua forma de entender o mundo.

Não é só em grandes mudanças que observamos esse fenômeno. Em pequenas viagens podemos sentir. Aposto que todos já passaram por isso, mesmo que seja no final de semana na praia. Apesar de ser em menor intensidade, não deixa de ter seu valor.

Mesmo acordado sinto isso. Basta estar com alguns brasileiros, em qualquer lugar da Europa ou do mundo, para presenciar a dualidade existencial. Enquanto todos estão reunidos e falando português, mesmo que estejam no alto da torre Eiffel, estarão todos no Brasil. Para sair das terras tupiniquins bastaria levantar a cabeça e respirar os ares congestionados de uma Paris cada vez mais populosa e poluida. Para quem mora em São Paulo nada chocante.

Essa semana receberei o Pernil e a Mari aqui em casa. Com eles dois, mais o Emiliano e eu, passaremos bons momentos transitando entre Berlim e São Paulo. Bom, talvez entrem outros planetas, não só cidades nesse nosso roteiro.

Conforme o cara vai se adaptando as mudanças uma nova rotina vai se estabelecendo. Os sonhos passam a habitar o mesmo lugar que o corpo físico. Para muitos essa é a hora de mudar, eu não concordo. Semana passada sonhei em Berlim pela primeira vez.







De onde é essa foto mesmo?
Eu sei.




Não foi nada de especial. Era apenas eu caminhando pelas ruas do Mitte. Passando pelo Hackesche Markt e observando o andar acelerado dos pedestres correndo para entrar no Tram (bonde). Enquanto tentava entender o alemão das pessoas do sonho comecei a escutar meu despertador. Acordei com os olhos ainda colados. Olhei o relógio e eram 9 da manhã. Quando levanto a cabeça estou desperto em um albergue em Amsterdã.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Faxina

Você que chegou agora e está se perguntando: ----Se até o Marco Loco conseguiu um trampo na Europa, porque eu não conseguiria? Vou adiantar que a tarefa não é fácil. Eu, particularmente, me preparei muito para o desafio. Iniciei no meu portifólio, passei pela minha conduta profissional e terminei em uma reflexão psicológica. A última foi a mais importante.

Afinal, que espécie de maluco seria capaz de largar uma carreira, já encaminhada em São Paulo, para começar tudo de novo em outro lugar? Vender todos os bens de consumo adquiridos em 11 anos de trabalhos forçados e abandonar um lindo apartamento em Moema? Além de deixar, para os gaviões se aproximarem, uma esposa absolutamente maravilhosa? Para tanto, certamente o cara precisa ter estrutura emocional.

Bom, as coisas estavam indo muito bem até sábado. Pensei estar preparado para tudo mas infelizmente não era bem assim. Foi nesse fatídico final de semana que fiz minha primeira faxina. Peguei vassoura, sabão e esfregão e fui dar uma geral no apartamento. É galera, aqui na Europa pagar empregada é caro e a qualidade da limpeza é bem duvidosa.

Comecei pelo banheiro. A pior parte tem que vir no inicio, depois tudo vai mais fácil. A privada, que para muitos é algo horrível, foi tranquilo. Tudo graças as toneladas de produtos químicos que joguei nela e em cada centímetro do banheiro. Queria ver qualquer bactéria sobreviver ao meu ataque. Dei dois passos para trás e contemplei minha obra. O lugar estava um brinco. Pelo menos foi isso que imaginei. Claro que estava errado.

Lembrei que no meu último banho o ralo demorava para escoar a água. Daí tive a brilhante idéia de levantar a tampa dele e ver qual o motivo. Não tenho palavras para descrever o nó que senti no estômago. Tinha tanto cabelo que pensei que uma peruca entupia o ralo. Sabe quando o cabelo fica velho e podre? Deu nojo imaginar? Agora pense que eu tive que colocar a mão ali e tirar tudo.

Do banheiro para a cozinha. Achei que ia ser mais fácil. Tirei todas as coisas dos armário e limpei cada prateleira com esmeiro. Depois fui movendo os eletrodomésticos do lugar para limpar melhor. Quando puxei o frigobar de baixo do balcão me assustei. Tinha uma camada de molho de tomate velha e esquecida em cima dele. Tudo já com aquele aspecto bolorento e verde. Peguei um pano e removi toda sujeira. Olhei com orgulho para o serviço. O problema é que tive outra brilhante idéia. Por que não olhar a parte de cima dos armários? Aquela onde os olhos nunca alcançam. Preciso falar da quantidade de pó que encontrei?






melhor que falar é mostrar





Essa experiência me fez valorizar muito duas pessoas: minha mãe e a Marleide.

Minha mãe, como muitas mulheres de sua geração, largou uma promissora carreira no ramo de turismo para cuidar dos filhos. Ela gerenciava a família e uma casa enorme em Ipanema. Raramente tinha ajuda de empregadas. Eu tinha dificuldade de entender porque ela negava auxilio para cuidado do lar, depois das aulas de psicologia aplicada a propaganda compreendi melhor.

Minha mãe negava ajuda pelo mesmo motivo que os bolos em caixinha pedem adição de leite (e ovos em alguns casos). Estudos provaram que a mulher quando vai a cozinha quer dar mais que uma refeição, ela quer dar amor. As consumidoras desse produto não consideravam que pegando um pacote e acrescentando apenas água, estariam dando o que a família mereceria. Para as mães, cuidar da casa é fazer um carinho em seus amados. Minha mãe me deu mais amor do que eu poderia calcular.

A Marleide é outra história. Foi a primeira empregada mais paranóica com limpeza que a minha esposa. Ela deixava minha casa mais limpa que um laboratório. Se não fosse pelo veneno de barata que a Lisi espalhava pela casa, afirmaria que seria possível comer no chão da cozinha. Que saudades da Marleide.

Entendendo um pouco mais os Europeus, até posso afirmar sobre os motivos de tamanha falta de higiene. É muito mais fácil cobrar de alguém pela limpeza do que fazer a faxina com as próprias mãos. Esse serviço tão pouco prestigiado no Brasil merece todo nosso respeito. Não que eu não tivesse antes. A diferença é que hoje consigo mensurar exatamente a dificuldade de manter uma casa limpa.

sábado, 22 de setembro de 2007

Tacheles

Tacheles em hebraico significa “se comunicar”, “revelar” ou “falar com clareza”. O uso coloquial já tem outro significado: levar a cabo.


O Centro cultural Tacheles está instalado em um edifício em ruínas, hoje reconstruído, no bairro de Mitte (onde eu moro). Essa zona, localizada na parte oeste da cidade, antigamente abrigava o bairro judaico. Hoje sua característica atrai os amantes das artes, cultura e, principalmente, é ponto de encontro de artistas.














O Prédio foi erguido em 1907 e era a entrada da Friedrichstadt-Passage (um grande centro comercial). Não demorou para que essa empresa quebrasse, sendo o prédio adquirido pela AEG. Essa última, instalou no local a Haus de Technik, onde expunha e vendia seus produtos.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o partido nazista abrigou no prédio o Departamento de Organização e Administração. Claro que não ficou nisso, no quinto andar foram colocados prisioneiros de guerra franceses. Sendo o edifício tão interessante para os Nazistas, não demorou muito para que ele se tornasse um alvo dos bombardeiros aliados. Entre 1943 e 1945, as bombas chegaram ao Tacheles que foi muito danificado mas não destruído completamente.














No ano de 1948, metade do prédio era utilizada para diferentes funções, enquanto a outra metade era esquecida e se degradava gradualmente. Tudo porque o governo, da antiga Alemanha Oriental, não tinha dinheiro para as reformas necessárias, além de não ver uma utilidade futura para a área. Bom, eles até acharam uma: estocar material de construção. Uma ironia para um prédio que necessitava ser renovado. Esquecido ele ficou e o tempo passou.














A última parte da estrutura seria demolida em Fevereiro de 1990. Felizmente, em Abril desse mesmo ano um grupo de artistas invadiu o local. Tomou as instalações e declarou o edifício como um monumento histórico, devido a sua arquitetura e estrutura de aço. Com a renovação do Mitte e das área próximas como Prezlauer Berg e Friedrichshain, artistas do mundo todo passaram a aproveitar os espaços livres como teste para seus estilos de vida alternativos e liberais. Uma filosofia que pregava a autonomia, a espontaneidade e a improvisação.














Assim a Tacheles logo se tornou famosa. A característica do edifício, somada aos novos inquilinos, que trouxeram criatividade e vida a região, fizeram desse prédio um centro reconhecido internacionalmente. Hoje ele está em quase todos os guias de viagens e o Mitte virou o bairro da moda Berlinense.

Chegar pela primeira vez aqui assusta um pouco. E foi esse edifício a principal inspiração para o texto sobre a Cidade Baixa. As duas fotos que anexei lá em baixo são dessa galeria. Com o tempo, entendi que a Tacheles é muito mais que uma festa descolada no final de semana. É um estado de espírito artístico. Onde além da galeria se pode tomar uma cerveja cercado de pessoas estranhas, turistas e alemães de todas as idades.














Aproveito a feliz coincidência de sermos “vizinhos” para passear por suas instalações semanalmente. Observo os artistas que ali abrigam seus ateliês e também os grafiteiros que deixam seus rabiscos por toda parte. Para mim tudo é lindo, novo e curioso. Mesmo para um cara liberal, se defrontar com tamanha anarquia pode ser assustador. Isso só no início, claro.



Inspiradora. Talvez seja essa a palavra que melhor defina a Tacheles, para mim. Vamos ver se esse sentimento se traduz em algum trabalho pessoal relevante. Como falou meu pai, apesar de ser bem internacional, não tem nenhum brasileiro lá. Só tendo um coroa corujão ao teu lado para sonhar tão alto.