quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Faxina

Você que chegou agora e está se perguntando: ----Se até o Marco Loco conseguiu um trampo na Europa, porque eu não conseguiria? Vou adiantar que a tarefa não é fácil. Eu, particularmente, me preparei muito para o desafio. Iniciei no meu portifólio, passei pela minha conduta profissional e terminei em uma reflexão psicológica. A última foi a mais importante.

Afinal, que espécie de maluco seria capaz de largar uma carreira, já encaminhada em São Paulo, para começar tudo de novo em outro lugar? Vender todos os bens de consumo adquiridos em 11 anos de trabalhos forçados e abandonar um lindo apartamento em Moema? Além de deixar, para os gaviões se aproximarem, uma esposa absolutamente maravilhosa? Para tanto, certamente o cara precisa ter estrutura emocional.

Bom, as coisas estavam indo muito bem até sábado. Pensei estar preparado para tudo mas infelizmente não era bem assim. Foi nesse fatídico final de semana que fiz minha primeira faxina. Peguei vassoura, sabão e esfregão e fui dar uma geral no apartamento. É galera, aqui na Europa pagar empregada é caro e a qualidade da limpeza é bem duvidosa.

Comecei pelo banheiro. A pior parte tem que vir no inicio, depois tudo vai mais fácil. A privada, que para muitos é algo horrível, foi tranquilo. Tudo graças as toneladas de produtos químicos que joguei nela e em cada centímetro do banheiro. Queria ver qualquer bactéria sobreviver ao meu ataque. Dei dois passos para trás e contemplei minha obra. O lugar estava um brinco. Pelo menos foi isso que imaginei. Claro que estava errado.

Lembrei que no meu último banho o ralo demorava para escoar a água. Daí tive a brilhante idéia de levantar a tampa dele e ver qual o motivo. Não tenho palavras para descrever o nó que senti no estômago. Tinha tanto cabelo que pensei que uma peruca entupia o ralo. Sabe quando o cabelo fica velho e podre? Deu nojo imaginar? Agora pense que eu tive que colocar a mão ali e tirar tudo.

Do banheiro para a cozinha. Achei que ia ser mais fácil. Tirei todas as coisas dos armário e limpei cada prateleira com esmeiro. Depois fui movendo os eletrodomésticos do lugar para limpar melhor. Quando puxei o frigobar de baixo do balcão me assustei. Tinha uma camada de molho de tomate velha e esquecida em cima dele. Tudo já com aquele aspecto bolorento e verde. Peguei um pano e removi toda sujeira. Olhei com orgulho para o serviço. O problema é que tive outra brilhante idéia. Por que não olhar a parte de cima dos armários? Aquela onde os olhos nunca alcançam. Preciso falar da quantidade de pó que encontrei?






melhor que falar é mostrar





Essa experiência me fez valorizar muito duas pessoas: minha mãe e a Marleide.

Minha mãe, como muitas mulheres de sua geração, largou uma promissora carreira no ramo de turismo para cuidar dos filhos. Ela gerenciava a família e uma casa enorme em Ipanema. Raramente tinha ajuda de empregadas. Eu tinha dificuldade de entender porque ela negava auxilio para cuidado do lar, depois das aulas de psicologia aplicada a propaganda compreendi melhor.

Minha mãe negava ajuda pelo mesmo motivo que os bolos em caixinha pedem adição de leite (e ovos em alguns casos). Estudos provaram que a mulher quando vai a cozinha quer dar mais que uma refeição, ela quer dar amor. As consumidoras desse produto não consideravam que pegando um pacote e acrescentando apenas água, estariam dando o que a família mereceria. Para as mães, cuidar da casa é fazer um carinho em seus amados. Minha mãe me deu mais amor do que eu poderia calcular.

A Marleide é outra história. Foi a primeira empregada mais paranóica com limpeza que a minha esposa. Ela deixava minha casa mais limpa que um laboratório. Se não fosse pelo veneno de barata que a Lisi espalhava pela casa, afirmaria que seria possível comer no chão da cozinha. Que saudades da Marleide.

Entendendo um pouco mais os Europeus, até posso afirmar sobre os motivos de tamanha falta de higiene. É muito mais fácil cobrar de alguém pela limpeza do que fazer a faxina com as próprias mãos. Esse serviço tão pouco prestigiado no Brasil merece todo nosso respeito. Não que eu não tivesse antes. A diferença é que hoje consigo mensurar exatamente a dificuldade de manter uma casa limpa.

sábado, 22 de setembro de 2007

Tacheles

Tacheles em hebraico significa “se comunicar”, “revelar” ou “falar com clareza”. O uso coloquial já tem outro significado: levar a cabo.


O Centro cultural Tacheles está instalado em um edifício em ruínas, hoje reconstruído, no bairro de Mitte (onde eu moro). Essa zona, localizada na parte oeste da cidade, antigamente abrigava o bairro judaico. Hoje sua característica atrai os amantes das artes, cultura e, principalmente, é ponto de encontro de artistas.














O Prédio foi erguido em 1907 e era a entrada da Friedrichstadt-Passage (um grande centro comercial). Não demorou para que essa empresa quebrasse, sendo o prédio adquirido pela AEG. Essa última, instalou no local a Haus de Technik, onde expunha e vendia seus produtos.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o partido nazista abrigou no prédio o Departamento de Organização e Administração. Claro que não ficou nisso, no quinto andar foram colocados prisioneiros de guerra franceses. Sendo o edifício tão interessante para os Nazistas, não demorou muito para que ele se tornasse um alvo dos bombardeiros aliados. Entre 1943 e 1945, as bombas chegaram ao Tacheles que foi muito danificado mas não destruído completamente.














No ano de 1948, metade do prédio era utilizada para diferentes funções, enquanto a outra metade era esquecida e se degradava gradualmente. Tudo porque o governo, da antiga Alemanha Oriental, não tinha dinheiro para as reformas necessárias, além de não ver uma utilidade futura para a área. Bom, eles até acharam uma: estocar material de construção. Uma ironia para um prédio que necessitava ser renovado. Esquecido ele ficou e o tempo passou.














A última parte da estrutura seria demolida em Fevereiro de 1990. Felizmente, em Abril desse mesmo ano um grupo de artistas invadiu o local. Tomou as instalações e declarou o edifício como um monumento histórico, devido a sua arquitetura e estrutura de aço. Com a renovação do Mitte e das área próximas como Prezlauer Berg e Friedrichshain, artistas do mundo todo passaram a aproveitar os espaços livres como teste para seus estilos de vida alternativos e liberais. Uma filosofia que pregava a autonomia, a espontaneidade e a improvisação.














Assim a Tacheles logo se tornou famosa. A característica do edifício, somada aos novos inquilinos, que trouxeram criatividade e vida a região, fizeram desse prédio um centro reconhecido internacionalmente. Hoje ele está em quase todos os guias de viagens e o Mitte virou o bairro da moda Berlinense.

Chegar pela primeira vez aqui assusta um pouco. E foi esse edifício a principal inspiração para o texto sobre a Cidade Baixa. As duas fotos que anexei lá em baixo são dessa galeria. Com o tempo, entendi que a Tacheles é muito mais que uma festa descolada no final de semana. É um estado de espírito artístico. Onde além da galeria se pode tomar uma cerveja cercado de pessoas estranhas, turistas e alemães de todas as idades.














Aproveito a feliz coincidência de sermos “vizinhos” para passear por suas instalações semanalmente. Observo os artistas que ali abrigam seus ateliês e também os grafiteiros que deixam seus rabiscos por toda parte. Para mim tudo é lindo, novo e curioso. Mesmo para um cara liberal, se defrontar com tamanha anarquia pode ser assustador. Isso só no início, claro.



Inspiradora. Talvez seja essa a palavra que melhor defina a Tacheles, para mim. Vamos ver se esse sentimento se traduz em algum trabalho pessoal relevante. Como falou meu pai, apesar de ser bem internacional, não tem nenhum brasileiro lá. Só tendo um coroa corujão ao teu lado para sonhar tão alto.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Brazilian Wax

Uma das coisas que eu mais gosto no meu relacionamento com a Lisi é não termos ciúmes. Não que ele seja inexistente, isso seria uma mentira. Digamos que ele fique em um nível salutar e respeitoso. Manter o ciúmes em um estado adormecido é fundamental em um relacionamento a distância. Imagino como seria complicado, para outra mulher, entender que seu marido está sozinho em um país de loiras gigantes. No caso da Lisi isso não assusta. Ela se garante com seus 1,60cm. Tá bom amor, 1,63cm.

O engraçado é que mesmo que eu fosse um canalha taradão, ela não teria motivos para ciumeira. Ao contrario do que o Manir falou, dizendo que as loironas ficam malucas com um latino, aqui na Alemanha elas nem me olham. Tudo bem que não sou nenhum bonitão mas tem coisa bem pior no mercado. E isso não sou eu quem está falando. São os corações que aparecem no meu perfil do orkut.

Para falar a verdade, eu nem tinha reparado que estava tão mal na foto. Só fui perceber depois de trocar uma idéia com alguns amigos brasileiros lá da agência. O meu problema não é o maxilar pequeno e nem o nariz maiúsculo. O meu problema aqui é a quantidade de cabelo no corpo.

Porra. Logo isso? Se fosse qualquer outra coisa até tentaria arrumar. Operar o nariz? Fazer musculação? Colocar um dente de ouro? Tudo seria mais fácil do que depilar meu lindo peito cabeludo. Isso se o problema fosse só o peito. Ele vai além. Passa pelos braços, pernas e vai até o saco. Que coisa. Definitivamente não sou corajoso como o Bruno Cardoso para passar a gillette. (Fudi com o Brunão nessa)








A. barbadensis Mill., A. vulgaris Lam. ou Aloe Vera, a popular babosa


E pensar que, no colégio militar, tinha uma gurizada que colocava babosa no peito e no bigode. Tudo para ficar com cara de homem. Eu não precisava, desde novo já ostentava um belo tórax cabeludo. Sempre me orgulhei de ser do tipo Tony Ramos. A testosterona é um hormônio em alta aqui nesse corpinho. Um macho como nos velhos tempos. Do Tempo das cavernas.

sábado, 15 de setembro de 2007

A Vida é Boa.

Morando sozinho em um pais distante, ainda sem conhecer muitas pessoas e tendo você mesmo como melhor amigo, é impossível controlar a imaginação. A solidão é extremamente criativa. Enquanto você caminha por uma rua ou bairro, sua mente é bombardeada por lembranças de lugares, referências e pessoas.










Visual da sacada da minha sala.







Hoje a luz de fim de tarde estava maravilhosa. Era covardia tirar a câmera do bolso e gravar algumas imagens do dia. Foi o que eu fiz. Entendi finalmente a lenda de que, em um país de estações frias e severas, o clima influencia no humor das pessoas. Eu estava muito feliz e extremamente realizado, me sentindo presente. Como filosofaria um mestre budista: em estado de atenção plena. Olhava em minha volta e desfrutava cada segundo de uma caminhada solitária. Foi aí que me lembrei de um amigo.





Estação
de trem
Hackescher Markt






Trabalhei com o Guy Costa algum tempo na Lew,Lara. Não conheci nenhum baiano mais típico: boa praça, calmo e feliz. Aprendi muita coisa com ele nesse tempo. Achava que apesar das diferenças, éramos parecidos em pontos cruciais no entendimento da vida. Pode parecer estranho que tenha lembrado de um baiano em uma tarde fria na Alemanha. Mas é que o Guy tem uma frase clássica que se encaixava perfeitamente no meu estado de espírito. Dizeres esses, que ele repete como se fosse um mantra. Foi desse ensinamento que recordei:
“A Vida é Boa”.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Alemão

Todas as segundas, quartas e quintas saio do trabalho direto para o Instituto Goethe. Estou estudando 9 horas de alemão por semana. Parece muito mas não é. Se eu tivesse mais tempo estudava mais. Tudo para poder entrar nos universos secretos que a língua pode proporcionar. Lugares que só com o idioma local eu poderia chegar. O complicado é dominar esse maldito alemão. Sheiße!!!!













Aprender um idioma exige uma tremenda força de vontade e empenho. Acho que é uma das poucas coisas que tenho prazer de estudar nessa vida. Quanto mais línguas você dominar melhor. O francês, por exemplo, que eu estudava 2 vezes por semana, já me salvou de várias aqui na Europa. Isso sem falar que a aulinha da Regina, acompanhado do João e do Teddy, era muito agradável. Apesar disso, cobrava seu preço em concentração, além de sacrificar a tão indispensável hora do almoço. Olhando para trás não tem como me arrepender. Valeu cada minuto.

Meus chefes aqui até me disseram que o alemão não era tão necessário. Que era uma língua difícil e feia. Concordo que o idioma não é fácil e tem uma sonoridade horrorosa, mas dizer que era dispensável? No meu primeiro dia me pediram para olhar umas imagens de uma campanha de Viagra. Cheguei no computador, abri o Photoshop e tcharam!!!! Tudo em alemão. Falei com o cara da informática e ele disse que as licenças eram todas na língua nativa. Porra, imagina se eu não estivesse afim de estudar? Tava ferrado. Isso que só citei esse exemplo de barreira linguística. Posso garantir que existem muitos outros.

A parte mais chata de estudar um idioma é o início. Acaba parecendo um idiota falando. Todo trancado, dá até raiva. Pensa numa coisa e simplesmente não consegue falar. Até entender a lógica da língua demora um pouco. A parte boa é que, depois de se adquirir uma base, o vocabulário cresce muito rapidamente. Tu só vai somando palavras e completando o quebra-cabeças. Depois de muito estudar e já saber se comunicar, o segredo é desaprender a falar certinho e encher as frases de gírias e malandragem. Aí é só alegria. Eu já ficaria feliz com o primeiro estágio: o do idiota falando. Nem isso tenho conseguido fazer.

E pensar que toda minha família fala alemão. Toda exceto eu e minha irmã. Cresci escutando minha mãe e avós discutindo nesse idioma. Principalmente quando queriam falar mal de mim. Eu só sabia que era algo a meu respeito pois ouvia meu nome seguido de um monte “arrrrr”, “sschhhh” e “ainennnnn”. Minha mãe disse que não me ensinou porque eu não queria aprender. Eu devia ser um diabo mesmo. Desde quando uma criança de 1 a 5 anos quer ou deixa de querer alguma coisa? Bom, eu era difícil mesmo. Todos dizem que quando eu tiver os meus filhos vou ver como é complicado. Pode ser… acredito. Ainda mais se eles forem como eu era. Ich war ein Teufel!!!

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

A Cultura do Bastantão

O Rodrigo Pinto odeia a cultura do bastantão. Não só odeia muito, como tem vergonha dela. Para ele não existe nada pior do que ir para o Rio Grande do Sul e sentar em um belo Café Colonial. Ou pior, aquela boa e velha churrascaria espeto corrido onde o garçom não te deixa nem falar. Para ele, restaurante tem que ter ambiente, prato bonito e comida saborosa. Sentar com calma, apreciar toda a experiência e degustar uma das melhores coisas da vida. Talvez hoje, com a maturidade, entenda um pouco o que tanto desagrada o Rodrigão.












Não vou mentir que se existisse um espeto corrido a 10 euros, aqui em Berlim, iria correndo. Infelizmente, para o meu amigo, minha maturidade ainda não chegou ao ramo gastronômico. Estava me referindo a propaganda.

Uma das coisas que descobri aqui, é o repudio a cultura do bastantão. O diretor de criação não tem saco para olhar mais que 5 idéias. Claro que no início isso me assustou um pouco. Não sabia nem como agir. Parecia que eu nem tinha trabalhado! Para mim, o bonito era chegar com um bloco de "rafes" para discutir. Me lembro de lendas, sobre o Nizam, onde ele espancava jovens duplas que se apresentavam com menos de 50 opções. Se é verdade eu não sei.

Perguntei para o Emiliano o porquê de eles confiarem tanto no critério dos subordinados. Foram duas as respostas. A primeira diz respeito ao preço do tempo dos caras (e isso inclui o custo do saco deles). A segunda foi mais simples: ---- Observe o “Senior” que vem escrito antes do “Art Director” do teu cartão.

Depois da resposta, curta e grossa, tudo pareceu mais claro. Existe, na cultura do bastantão, um desperdício gigantesco em esforço e tempo. Isso vale no restaurante, que joga fora quilos de restos de comida e horas de funcionário que preparam tudo. Como também se aplica a uma agência de propaganda.

Porque um funcionário, bem pago, não pode auxiliar o seu chefe no critério? Em uma agência como a Lew,Lara isso fica mais evidente. Se formos falar por senioridade, posso garantir que a maioria das duplas lá são sênior. E não estou falando de idade. Nessa o Renatão ia ganhar de todos com seus quarentinha de praia. Estou falando de maturidade no trabalho. Quase todos os criativos que estão na Lew,Lara (como em qualquer agência grande de São Paulo) são bem rodados e já provaram sua qualidade. Então porque de continuamos a tratar criatividade como espeto corrido?

Para começar tenho que isentar o Marquinho Versolato. Ele foi um dos primeiros a falar que bastava uma idéia para resolver qualquer problema. Para isso, ela precisava ser boa o bastante. Como chefe, ele sempre pareceu entender que quantidade não é qualidade. Acho que o Dedé e o Jaques também concordam com isso.

Se o problema não está nos chefes, talvez esteja na outra ponta. Nós criativos aprendemos que precisávamos mostrar trabalho. Não sei onde surgiu essa escola de idéia em quilo mas acho que ela esta equivocada, em parte. Não duvido que para se chegar em um raciocínio genial, devam ser gastos muitos metros cúbicos de papel. Essa conclusão é óbvia: precisa-se queimar muito tempo e fósforo na busca do brilhante. O que está errado é achar que levando todo o bagaço, estamos provando como foi complicado extrair o suco.

O que falta, talvez, seja mais confiança. Pegar a bola e partir para cima do zagueiro. Se o chefe não gostar de nada, depois é só dar aquela boa e velha resgatada. Além de gastar um tempo em novas idéias. Quantas vezes já escutei choro porque o Diretor de Criação escolheu uma opção menos querida. Se não tinha tanto amor porque apresentou? Bobeou bichão.

sábado, 8 de setembro de 2007

Rave on Kreuzberg


Kreuzberg
é um lugar muito interessante de Berlim. Ao contrário dos demais bairros, que se originaram de pequenas vilas. Sua história inicia nos meados de 1920, durante a expansão da cidade. O nome Kreuzberg não significa nada de mais. Ele diz respeito a sua localização a 66m acima do nível do mar.








Schlesisches
Tor





Durante o século XX o bairro cresceu muito, fruto da industrialização. No início, as camadas mais pobres migraram para a região fugindo de uma voraz especulação imobiliária. Nessa época, ele atingiu a marca de 400.000 pessoas. Uma media de 60.000 por quilômetro quadrado.

Além de abrigar os pobres, o Kreuzberg se tornou o centro da crescente industria Berlinense. Algumas regiões, como Exportviertel ao longo da Ritterstraße, eram formadas por centenas de pequenos comerciantes. Isso sem falar da “quadra da imprensa”, ao longo da Kochstraße, onde ficavam os maiores jornais da cidade e várias editoras de livros. Durante a segunda Guerra, quase todos os prédios industriais foram destruídos. Tudo em uma única noite, no dia 3 de Fevereiro de 1945.










Visual maravilhoso.







Depois da segunda grande guerra, os alugueis na região foram regulamentados. Por terem preços baixos e pouca qualidade, o bairro se tornou o alvo inicial de imigrantes que chegavam a Berlim. Um pouco depois, em 1989, depois da queda do muro, ele voltou a ser atrativo para os recém chegados. Tudo porque a parte leste era completamente cercada pelo muro, tornando o lugar isolado e barato.

Desses imigrantes, os que vinham em maior número foram os turcos. Essa característica, fez com que o bairro fosse conhecido como a maior cidade turca fora da Turquia. Em 1999, dos 146.884 habitantes do Kreuzberg, 49.010, não eram nascidos na Alemanha.







é feio mas é bonito





Já havia passado uma tarde no bairro, logo no meu segundo dia. Mesmo assim, achava que tinham muitos lugares que eu ainda não conhecia e me eram curiosos. Com essa bagagem histórica na cabeça, logo depois do almoço, arrumei minha mochila e parti de Hackesher Markt em direção a Warshauer, no coração do Kreuzberg.

Não demorou muito para perceber porque o bairro é conhecido como underground. Logo na saída da estação comecei a escutar uma música. Não sabia identificar se era electro ou techno, mas me deixou bem curioso. Assim resolvi procurar de onde vinha aquele som.

Olhando para a linha do trem percebi uma Rave. Deviam estar dançando ao lado dos trilhos umas 50 pessoas. Numa primeira sondagem não consegui encontrar a entrada da festa. Toda a área onde os malucos dançavam era cercada. Não resisti e resolvi procurar um acesso.

Tive que caminhar uns 500 metros para achar um portão aberto na margem dos trilhos. Como imigrante, não achei inteligente a idéia de pular a grade que protegia o caminho dos trens. Durante essa caçada me deparei com algumas cenas bizarras. A primeira foram duas meninas fazendo xixi atrás de uma moita. A segunda, um casal fazendo sexo explícito a 30 metros da festa. Coisa de maluco mesmo.



Quando já estava na entrada da Rave, um rapaz veio falar comigo em alemão. Respondi que não falava, mas se ele sabia inglês, podíamos interagir. Ele disse que não tinha problemas com o bretão e repetiu, na língua da rainha, o que inicialmente havia tentado me comunicar. Ele queria saber se eu era um Raver. Ora pensei, vou em rave desde 98. Então respondi que sim.



Fiquei uns 30 minutos na festa. Tentei filmar alguma coisa mas estava muito intimidado pelo ambiente. Estava com medo de ser abordado novamente por um alemão. Até onde eu sei, essas festas são ilegais e nenhum malandro gosta de ser filmado enquanto está cometendo o crime. Assim deixei a câmera ligada enquanto caminhava entre as pessoas. O resultado está nesses vídeos que anexei aqui no texto.

Rave on Kreuzberg!

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Amigos

Na última vez que fui para Porto Alegre um amigo (Fernando Cabeça) me perguntou se eu fiz amizades verdadeiras em São Paulo. Prontamente respondi que sim. Mas na verdade, não tinha realmente parado para pensar no assunto. Aqui na Alemanha tive tempo para refletir.

Minha vida é bem agitada para os padrões brasileiros. Tudo porque meu amado pai é militar. Aqui vale um adendo. Coloquei o verbo no presente porque não existe ex-milico. Soldado vai para a reserva, jamais se aposenta.

Por ele ser militar, acabei passando por 3 cidades diferentes. Nesse contexto de mudanças, aprendi a fazer amigos em todos os lugares em que morei.

Na minha primeira mudança, fui para Florianópolis. Na segunda, para o Rio de Janeiro. Essas duas primeiras experiências me fizeram perder o medo de novas amizades. Pena que não tenho mais o contato de todas as pessoas que conheci nessas cidades. Culpo, nesse caso, a tecnologia. Se existisse Internet, Skype e MSN, tenho convicção que manteria esses amigos ainda bem próximos.

Muito tempo depois, já em São Paulo, percebi que as mudanças são boas para as relações. É como se rolasse uma seleção, um filtro. Os caras que realmente gostam de você não vão lhe deixar simplesmente desaparecer. Eles vão continuar procurando meios para lhe contactar. Até porque um amigo não precisa estar fisicamente ao teu lado para se fazer presente. Um conselho pode ser passado por telefone, por exemplo.

Mesmo nessa situação de relações a distância, existem casos que fogem a regra. Tenho amigos que fiquei sem falar por anos. Mas sempre que nos vemos é como se o último encontro não tivesse passado de algumas semanas. Amizade é uma coisa engraçada mesmo. Tenho o exemplo do Vedana, do Colégio Militar. Faziam 4 anos que não nos falávamos. Essa semana conversei com ele. O filho da puta está na Dinamarca e talvez nos reencontremos aqui na Europa, mundo pequeno.

Tem também o Carnevale, que foi meu padrinho de casamento e não o via desde então. Nessa minha última passada por Porto Alegre, liguei para o perdido e demos boas risadas. Tudo como nos velhos tempos.

Agora tem uma coisa, eu acho que o amigo só prova que é de fé, depois de passarmos por alguma merda juntos. É nessas horas que o verdadeiro companheiro aparece. Antes é muito difícil saber. A época do Colégio Militar foi um bom exemplo. Desses anos ficaram grandes amigos. E dois deles se converteram em irmãos. São caras que já provaram tudo e mais um pouco. Para honrar nossa tradição de companheirismo e insanidade, tatuamos um risco preto no braço esquerdo. Esses vão ter que me aguentar para o resto da vida. Ainda bem que Deus foi generoso comigo e me deu 2 parceiros, desse gabarito, para me orientar. (Ou seria desorientar?)







Risco preto.






Exemplo de nego que segura a onda da parceria é o João. Esse já é um amigo da época de São Paulo, apesar de ser um carioca dos mais escrotos. Acabamos ficando próximos numa das situações mais chatas da minha vida profissional. Nossos duplas foram demitidos. Os caras resolveram nos colocar para trabalhar juntos, por pura necessidade. No fim das contas fizemos um bom trabalho, apesar de todos os problemas que nos foram impostos. Nesse pouco tempo que passamos juntos, ele provou que é firme nas piores horas. Junto com o Pernil e o Renatão, formamos uma das mesas mais engraçadas da história da Lew,Lara. Se o trabalho tá difícil o melhor é fazer piada.







A foto é estranha por culpa do Alan.




Outro cara foi o Gustavo Barbosa. Moramos juntos em Londres, numa das época mais marcantes dessa pobre existiência. Mesmo estando em um lugar tão incrível, passamos por poucas e boas. E ele sempre deu o apoio necessário para enfrentar a barra de morar num país novo.

E por falar em novas empreitadas, não podia deixar de citar o Emiliano. O simples fato de ele ter me indicado para esse emprego aqui em Berlim, já o colocariam no hall da fama dos amigos do coração. Mas o cara fez mais. Me hospedou quase 2 semanas na casa dele, me deu apoio com toda burocracia da imigração (inclusive como guia na Berlim Oriental) e arrumou um apartamento maravilhoso para eu alugar. Acho que esse vai para o céu sem escalas. E isso que eu roubava a merenda dele, no jardim de infância do colégio Mãe de Deus.

Mudando um pouco de perspectiva, existem também os caras que provam a parceria na hora boa. Aqui é mais complicado perceber qual é o amigo mesmo. Afinal de contas, nessa hora, todo mundo quer aparecer na foto. Mas não é bem assim. Não é qualquer um que sabe ver você feliz sem sentir uma pontada de sentimentos menos nobres.

Me lembro de minha formatura da faculdade, para qual fiz uma recepção. Não podia convidar todos os meus chegados. Primeiro que era num lugar caro, o Fogo de Chão. Segundo, porque para alguns amigos, meu pais disse que não ia pagar. Não deu outra, tirei dinheiro do próprio bolso e banquei os caras. Desses só foi um, o Vinícius. Esse cara não tem inveja no coração. Ele realmente ficou muito feliz com minha vitória. Espero que ele se forme logo para retribuir a camaradagem. (O Biro tinha desculpa. Estava morando na Holanda.)

Vou falar ainda de mais um bom exemplo de amigo. E nesse caso tenho que admitir, a situação é bem atípica. Tenho um amigo virtual. Que hoje em dia é bem real. É engraçado quando falamos que nos conhecemos na Internet. Com o tempo ficamos muito próximos e criamos uma rotina bem agradável. Uma sexta-feira por mês, o Alexandre passava no meu trabalho e almoçávamos juntos. Sempre em algum bom restaurante de carnes de São Paulo. Que saudades de uma boa carne.

Já sobre amigas é complicado falar. Afinal, homem amigo de mulher é viado. Mesmo assim, consegui juntar algumas meninas que eu gosto muito, nessa vida. Amigas que viraram amigos. Só para eu ter a desculpa de sair com elas sem causar ciúmes nos namorados. Ainda bem que eles entendem que realmente nossa amizade é verdadeira. Coisa que eu não sei se teria a maturidade de entender. Por sinal, gosto muito deles também. É bom ver um cara cuidando bem de quem você gosta. Acho que nunca vi a Marie tão bem. Tudo graças ao Leo. Isso sem citar a Grazi, que sempre me procura no msn ou por e-mail e eu nunca respondo.

Agora eu arrumei um problemão. Resolvi falar de amigos e não consegui comentar de todos os caras que eu gosto. Deixei 90% de fora do texto. Vai ter uma choradeira. Mas não se preocupem os que não entraram nesse longo pensamento. O Objetivo não era mostrar quem são meus melhores amigos, muito menos premiar esses que apareceram no blog. O que eu gostaria de mostrar é que é possível construir novas redes de amizades. Entender que mesmo distante você pode fortalecer laços. Que o investimento em novos amigos lhe trará retorno garantido.

Adoraria escrever mais, mas como diria o Moretti, já gastei muito o dedo falando desse assunto.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Cidade Baixa

Devo desculpas ao Gordo (Roberto), ao Bozó (Vinicius), ao Nego (Alexandre), ao Biro (Menino Monstro), ao Cabeça (Fernando), ao Gabriel e a todos os desgraçados de Ipanema, que sempre me obrigavam a passar o final de semana na Cidade Baixa. Acho que todos vocês sabem que só os acompanhava no Mr Dam, porque gosto muito da parceria.

Detestava chegar naqueles inferninhos e ter que atravessar uma lagoa de mijo para chegar no mictório. Isso sem falar naquele aspecto comunista-chic, com a macharada usando barbas mal cuidadas, ou das mulheres com longas madeixas em lugares menos apropriados. Tudo para manter um visual underground pseudo-cool que a gauchada aprecia tanto.

Me lembro de ser crucificado quando dizia que preferiria frequentar lugares cujo visual fosse mais bonitinho, com ambiente decorado e opção de beber um vinho. Fui taxado de burguês, algumas vezes. Tudo porque refinei meus hábitos noturnos.

Bom galera. Agora eu voltei para a turma. Aqui em Berlim o negócio é ser escroto. Bar bom é aquele com menos de 20 pessoas, paredes imundas, prédio velho e banheiro sujo. E o mais impressionante é que estou gostando muito. Tudo bem, aceitarei essas críticas que dizem que só achei legal porque é na Europa. Não teria como negar essa afirmação. Ela realmente reflete a realidade. Aqui no velho mundo o feio é mais bonito.










Acreditem, aqui dentro rola uma festa.

Nessa terra, os prédios antigos tem alguns séculos de distância da Cidade Baixa gaúcha. Além de ornamentos trabalhados nas paredes, candelabros do inicio do século passado, pé direito de quase 3 metros e meio e mobília mais velha que minha amada avó, existe algo diferente nesse mundo tardívago. E acho que todos vocês também se sentiriam atraídos por esse elemento especial que está em toda parte. Esse algo mais que me emociona e me conduz para regiões menos afáveis, se chama história.

É muito maluco imaginar que estou bebendo uma deliciosa cerveja no Kreuzberg, em um prédio abandonado da antiga Alemanha Oriental. Onde uma resistência armada se preparava para furar um bloqueio comunista. Ou então uma família planejava uma fuga para o outro lado do muro, numa tentativa de reunificar laços divididos no pós-guerra. Isso sem falar em apartamentos mais antigos, onde judeus foram obrigados a deixar tudo para um futuro sombrio. Todo esse peso histórico fica marcado em cada centímetro de concreto.

E não vou entrar no mérito da cerveja. Aí sim seria covardia. Comparar qualquer clara alemã com a Polar é sacanagem. Até porque não é só Pilsen que eles oferecem. Se preferires pode passar a noite escolhendo diferentes sabores de cerveja. Infelizmente meu paladar não é tão apurado. E acho que nem meu fígado aguentaria.











Essa kombosa vira um bar.

Bom galera. Agora que já me justifiquei e provei que posso ser chinelão, quero combinar uma coisa com vocês. Da próxima vez que eu for para Porto Alegre, me levem para sair em outro lugar. Preciso respirar novos ares. Já estou com a minha cota de Cidade Baixa bem preenchida aqui de Berlin.

domingo, 2 de setembro de 2007

Lixo














coca-cola liberada



Uma das coisas boas aqui da TBWA/Berlim é a coca-cola liberada. Sei que meu gastro ficaria desesperado com essa informação, mas ele está a quilômetros de distância e não vai ler esse texto. Aqui na minha mesa já tem 3 garrafinhas vazias. E isso que é apenas uma da tarde.

Essas garrafas vazias não ficam aqui na minha mesa como forma de exibicionismo ou de tornar meu vício público. A questão é mais complexa.

No meu primeiro dia de trabalho, depois de sorver a última gota desse precioso líquido negro, joguei o casco de vidro no lixo. Fui surpreendido pelo Emiliano com uma cara de assustado dizendo: ---O que tu pensa que tá fazendo meu?

Ora. O que as pessoas fazem quando acabam de comer ou tomar alguma coisa? Jogam o que sobrou no lixo. Pois é. Aqui as coisas são bem diferentes. Não é em qualquer lugar que se pode jogar os restos de nosso consumismo ocidental. Cada tipo de lixo tem o seu devido lugar.









sacadona bem bonita.




Isso é algo que tive que aprender. Na Alemanha o Partido Verde é muito forte. Fazendo representantes importantes em todas as esferas do poder. Inclusive o primeiro ministro. Diferente do Brasil que de verde só tem o Gabeira (que já foi vermelho e também rosa). O reflexo disso está em todo país, que procura novas fontes renováveis de energia, despolui rios e lagos, além da paranóia com o lixo.

Existem várias categorias de lixo. Separadas com cuidado pelos habitantes. Vidro? Pode ser escuro, transparente e verde. Papel? Pode ser grosso e fino. Tudo muito organizado como manda a cartilha alemã. Se você tem algum eletrodoméstico velho que deseja descartar é um problema. Não adianta abandonar na rua. Você tem que arrumar um fim para ele. Esse é o motivo de apartamentos com depósito serem tão valorizados. Viram enormes latas de lixo com porta. Isso quando não é a própria sacada que é convertida em lixeira.

Pode parecer nojento, eu concordo. E a idéia de dormir em meio a um monte de entulho também não me agrada. Mas consigo enxergar o lado bom nisso tudo também. Talvez essa política mais dura faça com que as pessoas tenham mais consciência sobre o tema. Afinal de contas o lixo não desaparece. Ele apenas vai para algum lugar. O foda é que talvez chegue um dia em que esse lugar não seja longe o suficiente.

Aqui não tem aquele monte de saquinho de plástico no supermercado. Ou você leva uma sacola, ou paga por elas.

Uma política de educação só funciona se dói no bolso. Não estou falando de taxa do lixo, como em São Paulo, que no fim das contas só alivia a consciência para poder jogar mais merda no chão. Falo em pagar pela sujeira que você é responsável. Pagar na boca do caixa ou morar no meio dela.