quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Regionalismo


















Eu acredito cada vez mais e, ao mesmo tempo, menos no regionalismo. Pode parecer estranho, para nossa cabeça ocidental bipolarizada, acreditar simultaneamente em dois extremos. Felizmente, os malucos de plantão podem encontrar abrigo no pensamento Zen, que estimula esse tipo de questionamento abstrato. Apesar de o assunto ser introduzido com conceitos tão cabeludos, vou fazer uma explicação simplificada que até os mais racionais poderão acompanhar. Para isso, devo falar melhor da idéia de regionalismo.

Regionalismo, nada mais é que uma busca ou identificação com algum elemento comum em determinado espaço geográfico. O gaúcho com o chimarrão é um exemplo. A figura do homem grosso, barbudo, tomando chimarrão de bombacha é um clássico do regionalismo. Junto com expressões populares, gestual e indumentária características, formamos uma imagem de um ícone de determinado lugar. Sempre que procuramos alguma identificação, num ato de saudosismo de nossas raízes, nos apegamos a esses clichês que definem nosso estado ou nacionalidade.

Tendo introduzido a idéia de regionalismo cabe a mim falar sobre o zen desse conceito. Assim, vamos discorrer um pouco sobre os motivos que me fazem acreditar cada vez mais nessa idéia. Quando viajamos, é fácil encantar-se pelos diferentes aspectos que formam uma determinada cultura. Quanto mais distante e exótica melhor. Essas características são profundamente enraizadas em nosso ego. Passamos a incorporar e definir nossa identidade em função desses clichês. É normal encontrarmos baianos mais baianos em São Paulo que em Salvador. Parece que quanto mais nos afastamos de nossas origens, maior é a necessidade de procurar aspectos que nos mantenham próximos de nossa terra.

Tenho alguns amigos que passaram por esse processo de redescobrimento cultural, depois que saíram de sua terra natal. O Alemão Fabrício, por exemplo. Ele fez uma viagem muito bacana com a Tuca, sua namorada, por todo o Conesul (região sul da nossa América). O objetivo era óbvio, resgatar sua origem que começava a se confundir com a de outros estados e apresentar sua herança cultural a amada companheira. Isso prova como o regionalismo acaba sendo um aspecto importante na formação de nosso ego e personalidade. O problema é quando ficamos tão afeiçoados e presos a essas características que acabamos por rejeitar outras culturas. Agarramo-nos a determinados conceitos que muitas vezes estão equivocados. Isso, na opinião desse mero maluco que vos escreve, tem outro nome: xenofobia.

Como gaúcho crítico que me tornei, acabo sendo um dos maiores cutucadores de ferida do meu estado. Acho que o gaúcho se tornou um povo xenofóbico. Temerário do novo, acabamos por rejeitar cultura que venha com a intenção de renovar ou refrescar nossas cabeças fechadas e orgulhosas. Tudo que vem do Rio Grande do Sul é melhor. Somos fortes e não precisamos de mais ninguém. Negamos nossa brasilidade em função de um regionalismo fervoroso. A balança começa a se inclinar para o outro lado. Parece que os gaúchos não enxergam que o Estado está cada vez mais pobre. Continuamos baseando nossa economia nos mesmos commodities de 100 anos atrás. Negar o novo não é honrar os heróis farroupilhas, é justamente abandonar os valores que sempre fizeram de nosso estado um exemplo de força e criatividade.

É aqui que começa o outro lado da moeda. Eu só consigo entender esse aspecto nefasto do regionalismo pois abandonei parte dele. Eu estou aberto a novidades e culturas. No nosso mundo globalizado é complicado identificar-se apenas com uma região. Depois de morar 5 anos em São Paulo acabei ficando em um limbo. Os gaúchos não me reconhecem mais como um irmão e os paulistas ainda me enxergam como sulista. Aí é que vem a questão de minha descrença no regionalismo. Acho que ele existe mas, felizmente, não fica restrito a apenas um lugar. O negocio é absorver o melhor de cada estado e formar sua própria personalidade, identificada mais com os seus conceitos morais do que propriamente com um espaço geográfico.

Cada lugar onde moramos ou vivemos, deixa marcas profundas. Acabamos incorporando aspectos de vida de todas as regiões por onde vivemos. Vou falar sobre mim para exemplificar. Sou gaúcho mas não sou viado (até piadinha ridícula de paulista já sei fazer), tomo chimarrão e asso um churrasco como poucos. Apesar disso, começo quase todos os meus raciocínios com “então”. Outra coisa, peguei raiva de corinthiano, sentimento que era restrito ao Grêmio. Quando morei na Inglaterra comecei a apreciar uma boa Guinness irlandesa, escutar techno e ir em Raves. Dos meus amigos baianos herdei a expressão “da pourra”. Do tempo que morei no Rio carrego um pouco da malandragem e do gosto por praia. Agora aqui em Berlim comecei a tomar weissbier, comer wurst e em breve poderei trocar os artigos. Isso sem falar que minha religião é indiana, absorvida e difundida no Himalaia, Japão e China. Parece piada.

O grande lance disso tudo é estar aberto a experiência. Sou um pouco contra os caras que mudam de cidade e acabam colocando-se em uma bolha. Aqui na Alemanha é muito comum. Pela dificuldade da língua, 50% dos estrangeiros optam por não estudar o alemão e acabam por se relacionar apenas com amigos de mesma nacionalidade. Esses acabam perdendo uma das coisas mais legais de morar em outro lugar. O aprendizado cultural e a modificação dos costumes acaba por fortalecer as raízes das quais nos orgulhamos mais. Eu acho que sou mais gaúcho hoje, depois de 6 anos fora da terrinha, do que quando morava por aquelas bandas.

A maior prova dessa
gauchismo está nesse vídeo. Não consigo assistir sem chorar.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Eu acredito em karma

























Karma é um conceito muito antigo, presente em muitas religiões orientais. Para quem não sabe o que é vou fazer uma explicação rápida. A idéia é que toda ação tem uma reação. Atitudes negativas acumulam demérito que será cobrado no decorrer de uma vida (ou várias). Durante muito tempo, minha educação judaico-cristã não me deu acesso a esse ensinamento. Felizmente hoje, conheço e esforço-me ao máximo para acumular méritos através de atitudes positivas. Desde que comecei a observar a vida por esse ângulo, não parei empilhar certezas sobre sua existência. Ontem o karma deu-me mais uma lição e a roda da vida completou mais uma volta. No entanto, para falar sobre esse aprendizado, preciso voltar um pouco no tempo, para os anos de 2002 e 2005.

Ser colorado nem sempre foi uma opção pela alegria, na verdade era sinônimo de sofrimento. Passei uma década vendo meu rival empilhar títulos e o meu time com uma administração vexatória. Era mais fácil o Inter frequentar o inferno da segunda divisão do que ganhar algo importante. Após uma nova ameaça de rebaixamento em 2002, novamente livrando-se da queda apenas na última partida (desta vez fora de casa, contra o Paysandu, em Belém), o Internacional recuperou a hegemonia do futebol gaúcho, com a conquista de quatro estaduais consecutivos (2002, 2003, 2004 e 2005). Em 2005 o Inter formou uma grande equipe, liderados por Muricy Ramalho e Fernandão os anos negros pareciam ter ficado no passado. Apesar dos excelentes times do Corinthians (Tevez, Masquerano e Nilmar) e São Paulo (Campeão da América e do Mundo) o colorado liderava o Brasileirão e começava a abrir larga vantagem, em relação aos outros postulantes ao título. Infelizmente, essa expectativa não se confirmou.

Toda a torcida e dirigentes do Corinthians, além de jornalistas e radialistas, sabiam que o Timão havia se tornado uma enorme lavanderia. Incrivelmente, uma chuva de dólares sujos caíam, como por milagre, no Parque São Jorge. Craques, com salários acima da realidade do futebol brasileiro, desfilavam com a camisa do time mais popular de São Paulo. A arrogância e o vale-tudo começaram a ser a marca registrada do Corinthians. A torcida e os dirigentes não viam problemas em tudo isso, claro, o importante era levantar a taça. Ninguém jamais cogitou a possibilidade do karma. Não imaginavam que, ações como essas, apenas sujavam o time e ligavam a marca, de um dos clubes mais importantes do mundo, a máfia Russa. Acho que apenas isso já seria o suficiente para o karma do Corinthians crescer negativamente. Para minha surpresa, foi apenas o começo de um longo caminho do céu ao inferno. Nesse exato ponto da história, o destino colocou colorados e corinthianos em lados opostos. Os acontecimentos que irei narrar agora mudaram a trajetória recente dos dois clubes. E o karma de ambos também.

Depois de anos de sofrimento os colorados ainda tinham muito o que chorar. Ninguém acreditou quando viram o título do Campeonato Brasileiro ser tirado do Internacional através de uma manobra extrajudicial, na qual o Corinthians foi o maior beneficiado. Dentro de campo, “o time do povo do Rio Grande do Sul” fez mais pontos que seu adversário. Porém, um suposto escândalo envolvendo manipulação de resultados abriu uma brecha para que o Corinthians disputasse novamente duas partidas das quais havia perdido. Não bastasse isso, no confronto direto entre as duas equipes do dia 20 de novembro, no Estádio do Pacaembu, o árbitro Márcio Rezende de Freitas anulou um pênalti sofrido por Tinga e, não satisfeito, expulsou o jogador colorado, que era um dos melhores da partida. Como resultado final, o clube paulista acabou ficando com o título, com apenas três pontos de vantagem sobre o Internacional, vice-campeão. Nessa época eu morava em São Paulo e acompanhei o constrangimento com que os paulistas comemoravam o titulo. O festa foi comedida. Não pareceu uma festa pela conquista de um Brasileirão. Mesmo assim, os torcedores, em sua maioria, seguiam apoiando a política de golpes baixos da diretoria do Timão. Aos colorados só restava lamber as feridas.

A compensação colorada viria no histórico ano de 2006. Treinado por Abel Braga, o time colorado sagrou-se campeão da Copa Libertadores, no dia 16 de agosto de 2006. Mais de 57 mil torcedores lotaram o Beira-Rio para assistirem ao emocionante empate em 2 a 2 contra o São Paulo (campeão mundial em 2005), colocando assim o clube colorado na galeria dos campeões da Libertadores. O dia 17 de dezembro ficará marcado na memória de todos os colorados como aquele em que o Inter viveu a maior glória de sua quase centenária existência. Alem dessa incrível façanha na América, os colorados ainda comemoraram o titulo de campeão mundial em Yokohama. Derrotando para isso o poderoso Barcelona, liderado pelo ex-gremista Ronaldinho Gaúcho (eleito duas vezes melhor jogador do mundo). Parecia até final de filme de Hollywood. O que mais o destino poderia reservar para o colorado? Para o Internacional a história parecia chegar ao fim mas ainda existia um time a enfrentar seu karma.

No dia 2 de dezembro de 2007 o Corinthians encarou seu destino de frente. Depois de denúncias no ministério público, provas cabais de uma diretoria envolvida em negócios sujos, o pior ainda estava por vir. Nessa data o Timão decidia sua vida, na primeira divisão, jogando contra o Grêmio, no estádio Olímpico. Ironicamente dessa vez, torcia também por uma vitória do Internacional frente o Goiás, no estádio Serra Dourada.

O Inter começou ganhando e o Corinthians perdendo, com um gol de Jonas no primeiro minuto de jogo. Esses dois resultados deixavam os paulistas na elite, apesar da derrota. No exato momento em que o Goiás empatou o jogo o Corinthians marcou seu gol, no Olímpico. Assim acabou a primeira etapa.

Os corinthianos torciam mais pelo Inter que para o próprio time. Pareciam acreditar mais nas qualidade do colorado que nas forças de seu jovem elenco. Foi aí que um pênalti foi marcado favorável ao Goiás. Para desespero da Fiel, o juiz mandou voltar a cobrança defendida duas vezes pelo goleiro Clemer. Na terceira tentativa, depois da desistência e incompetência de Paulo Baier, Élson fecha a tampa do caixão corinthiano. O time do Parque São Jorge irá amargar um longo ano na segunda divisão.

Após o jogo torcedores, jogadores e dirigentes do Corinthians acusaram os colorados de amolecer o jogo contra o Goiás. Acusação absolutamente incoerentes. É improvável que o Internacional entregasse o jogo no Serra Dourada. Mesmo tendo um time superior ao dos esmeraldinos, é histórica a dificuldade vermelha em Goiânia. Além do mais seria incompatível, para um clube que sofreu tanto nas mãos da injustiça, se aliar a mesma escola podre, que tanto o condenou no passado. Espero do fundo do coração que isso não tenha acontecido. Porque se for verdade, a bola pune. E o Karma também.